No tempo dos canibais

Só porque, às vezes, mudar de assunto é bom: o quanto você conhece sobre os tupis, maior grupo indígena que vivia no Brasil? Na escola, aprendemos quase nada. Só que viviam nus. E, mais por conta do professor de literatura do que do de história, que eram antropófagos. Pois boa parte do que sabemos é bem recente, conta dos anos 1950 para cá.
 
Um homem só era considerado adulto, apto para casar, após ter matado um inimigo pela primeira vez.
 
Sim: um assassinato faz o homem.
 
Em estando apto e tendo se interessado por uma moça, precisava fazer a corte da candidata a sogra. Fazia favores: caçava, pescava, trabalhava. Tendo sido aprovado, ela o recomendava ao futuro sogro. Caçava, pescava, trabalhava mais. O processo poderia durar até três anos e não era garantido. Mas, se casasse, logo tinha filhos. E, se desse sorte, conseguiria com o tempo uma segunda mulher. A primeira, aliás, se empenhava neste propósito. Era alguém com quem dividir o trabalho. A maioria, no entanto, só conseguia casar com uma.
 
O status se dava por três características. Um homem com muitas mulheres tinha, por isso, muitos filhos e genros. Aqueles com comando das maiores famílias eram morubixabas. Principais. E viviam, todos, em uma grande maloca comprida. As aldeias formavam-se de quatro a oito destas malocas. No total, podiam somar até três mil habitantes.
 
Essas aldeias não viviam isoladas. Havia inúmeras aldeias vizinhas, quase sempre aliadas, e costumavam viver próximos ao litoral. Em meados dos 1500, entre Paraná e São Paulo viviam tupiniquins. Na região do atual Rio, tupinambás, no Espírito Santo tupiniquins e novamente tupinambás num bom naco da Bahia. De lá para cima, kaetés até quase o Sergipe e então, chegando ao Ceará, potiguares. Falavam a mesma língua, tinham a mesma dieta, faziam a mesma cerâmica. Gente igual. Mas uns inimigos dos outros. Foram tupinambás baianos os primeiros índios que a turma de Cabral encontrou. Eram tupiniquins os aliados dos jesuítas que ajudaram na fundação de São Paulo e do Rio.
 
Grandes líderes cujos nomes nos soam familiares como Tibiriçá (São Paulo), Araribóia (Rio) ou Cunhambebe (de Angra, que prendeu Hans Staden) não mandavam sequer em suas aldeias. A hierarquia tupi limitava o poder dos morubixabas às malocas, a casa onde viviam suas famílias estendidas. As coisas das aldeias e aldeias vizinhas se definiam num conselho destes chefes. Mas há um caso curioso, que é o do Cerco a Piratininga que quase fez cair a recém-nascida São Paulo. Nove de julho de 1562. Foi um ataque promovido pelo grupo que terminou conhecido como a Confederação dos Tamoios. Incluía, de forma organizada, um grande número de aldeias tupinambás.
 
Alguns antropólogos acreditam que, acaso os portugueses demorassem um pouco mais a chegar, os tupis teriam chegado a um processo de centralização política e, daí, poderiam tornar-se uma civilização.
 
(E, sim: o 9 de julho paulista é importante há bem mais tempo do que os revolucionários de 32 o imaginavam.)